Leitura da realidade face à atual conjuntura do país
Cáritas Portuguesa
Leitura da realidade face à atual conjuntura do país
“Não basta termos soluções técnicas com efeitos a prazo. Impõe-se que haja sensibilidade e sentido de justiça para minorar drasticamente os sacrifícios de quantos são afetados pelas medidas geradas pela crise.”
A crise financeira tornou-se económica e social, alastrou pelo mundo e está a afetar, em termos intoleráveis, não só os mais pobres mas também aqueles que agora inesperadamente se vêm privados de emprego e dos meios essenciais à sua subsistência. Os cristãos e todos os homens e mulheres de boa vontade não podem calar-se perante o agravamento das desigualdades e das injustiças. Importa recusar a indiferença e incentivar a solidariedade ativa. Daí a necessidade de pôr em prática ações concretas, na sociedade e nas políticas públicas que contrariem uma perigosa cegueira relativamente a todos quantos são vítimas dos efeitos de uma crise gerada pela especulação financeira, pela avidez da riqueza fácil e imediata, pelo consumismo desenfreado e pela irresponsabilidade social. Todos são chamados a agir e a contrariar quaisquer manifestações de desigualdade e de exclusão.
O mundo atual vê crescer as disparidades e as injustiças. É tempo de voltar a ouvir os alertas do Evangelho ao considerar intolerável a injustiça. O Estado Social é chamado a responder melhor aos novos desafios de uma justiça para todos. Nesse sentido, a reforma tem de cuidar do rigor e da justiça. Perante o drama demográfico, a sede doentia de ganhos fáceis, o egoísmo consumista e o negocismo financeiro, a desatenção à destruição do meio ambiente, precisamos de uma redobrada atenção e um verdadeiro cuidado aos irmãos em dificuldades.
Não basta termos soluções técnicas com efeitos a prazo. Impõe-se que haja sensibilidade e sentido de justiça para minorar drasticamente os sacrifícios de quantos são afetados pelas medidas geradas pela crise. E, mais do que a busca de bodes expiatórios ou do que um clima de crispação e de acusações mútuas, importa encontrar pontes duráveis de diálogo capazes de dar respostas imediatas de sustentabilidade e de justiça a quem perdeu a esperança e vive o desespero de não possuir o essencial para si e para os seus. Os compromissos internacionais devem ser cumpridos, as dívidas têm de ser pagas sem imposições intoleráveis, mas impõe-se que haja justiça para todos. O Estado tem de ser pessoa de bem e cumprir as responsabilidades ligadas aos interesses de todos; a sociedade civil tem de se mobilizar no sentido da melhor salvaguarda do bem comum.
O rigor e a disciplina e as boas contas têm de ser a regra. A União Europeia deverá, assim, coordenar esforços no sentido de pôr a riqueza e o desenvolvimento ao serviço de todos. Não está em causa a disciplina e o rigor das contas públicas e a necessária adequação entre os meios e os fins que devem ser preservados. O que se impõe é a adoção de medidas visando o combate à pobreza, a promoção do investimento e do emprego e a salvaguarda da dignidade humana para todos. Ao escândalo da injustiça temos de contrapor a ideia fundamental segundo a qual «sem formas internas de solidariedade e de confiança recíproca, o mercado não pode cumprir plenamente a sua função económica» (Bento XVI, Caritas in Veritate, 35).
Cáritas Portuguesa, 8 novembro 2013
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